domingo, 16 de novembro de 2008

O MESTRE SEGUNDO QUEM O CONHECEU

Essa história começa em 1932. Creuza Francisca dos Santos, nascida no morro da Mangueira, foi adotada por Cartola e Deolinda, após a morte de sua mãe biológica, amiga do casal.

Creuza foi uma das maiores intérpretes das músicas de Cartola, mesmo não tendo o reconhecimento da mídia. Após a morte do compositor, chegou a lançar músicas inéditas, algumas terminadas por seu filho Reizilan, com quem conversamos sobre a vida e obra de seu avô.

Reizilan cresceu ouvindo as músicas de Cartola, cantadas por sua mãe. Hoje, como músico, cantar as belas canções de Cartola, transmite muito mais do que o sentimento de um admirador da obra do mestre. As músicas vêm carregadas de emoção e saudade, daquele que cresceu em meio a tantos talentos.

“Como músico, é muito apaixonante cantar Cartola, pois se deve levar em consideração que o grande gênio era muito humilde, um poeta que conseguiu carregar toda uma comunidade sem pedir nada em troca. Isso me faz lembrar um trecho de uma letra dele: “Semente de amor, sei que sou desde criança”, diz Reizilan. E amor era o que Cartola sabia transmitir de melhor.

Assim como algumas histórias já foram contadas aqui, Reizilan nos proporcionou conhecer mais um pouco desse universo tão apaixonante, que são as músicas do sambista.

Mais uma vez, a rosa

Cartola já vinha tentando conversar com a rosa há muito tempo. Olhe essa letra abaixo e veja como ele é genial. “As Rosas Não Falam” foi só o êxtase dessas conversas:

INTERROGUEI UMA ROSA
Aqui se beijaram ela e outro amante
Neste jardim juraram amor constante
Interroguei uma rosa
E a rosa foi desbotando
E a cada pergunta negando
Este jardim foi palco de grande tragédia
Mas dentro em mim transformou tudo em comédia
Razões bastante eu tenho
Para as flores odiar
Pois a flor tombou, murchou
Mas sem querer falar

Muitas das letras de Cartola, além da beleza lírica, carregam poesia na história das suas origens. Uma das mais populares é “As rosas Não Falam”, continuação da canção acima, escrita 20 anos antes pelo compositor e gravada por Cláudia Savaget, em 1984.

“Quando ele interroga às rosas, qual a resposta que ele recebe? Simples: as rosas não falam nada”, comenta a biógrafa e pesquisadora Marília Barbosa.

As letras das duas músicas se complementam de uma forma harmônica e melancólica. Em “Interroguei uma rosa”, Cartola canta “Aqui beijaram-se/ Ela e o outro amante/ Neste jardim juraram um amor constante/ Interroguei uma rosa/ A rosa foi desbotando/ A cada pergunta negando”.

Já em “As Rosas não Falam”, o poeta, sem sua amada, retorna provavelmente ao mesmo jardim, com a certeza do choro, pois a mulher não o deseja mais. Melancólico, logo lembra já ter passado por situação semelhante: “Queixo-me às rosas, mas que bobagem/ As rosas não falam/ Simplesmente as rosas exalam/ O perfume que roubam de ti”.

O sol nasceu ligeiro

Outra canção que carrega uma história curiosa é “O Sol Nascerá”, gravada por Nara Leão, em 1964.

No filme “Cartola - Música Para os Olhos” (dos diretores Lírio Ferreira e Hiton Lacerda), Elton Medeiros, um dos grandes parceiros do músico, conta que Cartola recebeu o desafio de um colega, com desdém, que ele seria incapaz de fazer um belo samba. Sem delongas, o músico puxou o violão e começou com os famosos versos "A sorrir/ Eu pretendo levar/ A vida/ Pois chorando/ Eu vi a mocidade perdida". Em pouco tempo, o samba estava pronto.

Nada mais intenso do que ouvir algumas histórias de alguém que conviveu tão de perto com Cartola. Se não podemos estar perto e desfrutar um pouco da genialidade desse grande mestre, aproveitemos essas lindas canções, com o toque de suas histórias.

Cartola certamente foi um dos artistas mais significativos que nossa música teve o prazer de conhecer. Se cada um que passar por esse blog, encantar-se um pouquinho mais com essa rica obra que Cartola nos deixou, o nosso objetivo será alcançado. E salve Cartola!

(Crédito da foto: Antônio Carlos Miguel)

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