domingo, 16 de novembro de 2008

O DISCO IDEAL DE CARTOLA

Não há dúvidas de que Cartola foi um dos mais geniais compositores brasileiros. O rótulo de sambista é pequeno demais para um artista que, cem anos após o seu nascimento, pode ser considerado um verdadeiro ícone da história da Música Popular Brasileira. O sambista carioca, nascido no Catete, compôs músicas antológicas que já fazem parte do imaginário brasileiro. Sua obra foi pequena, mas imortal. E, apesar de sua curta obra, ela foi muito coesa. Seus discos (apenas quatro oficiais) eram recheados de clássicos, mais parecendo verdadeiras coletâneas de sucessos.

Por isso, este blog, em um exercício sobre-humano, escolheu quais as doze canções de Cartola que fariam parte de um álbum perfeito. Certamente, alguém vai reclamar que faltou tal música no disco, mas, por favor, considerem que uma dúzia de canções para Cartola é muito pouco...

Então, vamos lá. E quem quiser discordar de alguma escolha, basta comentar!

Lado A:

1) “Que Infeliz Sorte!” – Esta foi a primeira composição de Cartola. Datada de 1929, ela foi vendida ao cantor Mário Reis. O samba acabou sendo gravado por Francisco Alves, que teve a grande honra de ser o primeiro cantor a lançar uma composição de Cartola em disco. A sua letra já tem todo o DNA do sambista: “Passas por mim / Rindo, cantando / Dá com os ombros / Arrastando rapazes / Me debochando / E finge para todas / Estou vingada”.


2) “Divina Dama” – Também gravado por Francisco Alves, esse samba foi o primeiro grande sucesso popular de Cartola. A canção, também registrada por Chico Buarque, em 1998, é uma das melhores do sambista verde-e-rosa: “Tudo acabado / E o baile encerrado / Atordoado fiquei / Eu dancei com você / Divina dama / Com o coração / Queimando em chama”. Lindo, não?


3) “Quem Me Vê Sorrindo” – Cartola cantou essa canção ao lado das pastoras da Mangueira, escola de samba que ajudou a fundar, a bordo do navio Uruguai. Com regência do maestro Leopold Stokowski, o samba feito em parceria com Carlos Cachaça é relevante porque foi a primeira vez que Cartola teve a sua voz gravada em um compacto de 78 rpm.


4) “O Sol Nascerá” – A história dessa música é interessante e vale a pena ser contada. “O Sol Nascerá”, composta no Zicartola, restaurante que o sambista abriu com a sua esposa, Dona Zica, nasceu após um desafio do amigo Renato Agostini, que disse duvidar que Cartola compusesse um samba tão rapidamente. A canção, com os célebres versos “A sorrir / Eu pretendo levar a vida / Pois chorando / Eu vi a mocidade / Perdida”, nasceu em 30 minutinhos, e acabou entrando no primeiro álbum de Cartola, lançado em 1974. Elton Medeiros foi o seu parceiro nessa música que, devido à sua importância (e beleza), abria e encerrava o show que Ney Matogrosso fez em homenagem ao compositor, em 2003. Moral da história: nunca desconfie da capacidade de um gênio.


5) “Alvorada” – Composta ao lado de Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, “Alvorada” é um dos clássicos de Cartola e também está presente em seu primeiro disco. “Alvorada lá no morro, que beleza / Ninguém chora, não há tristeza / Ninguém sente dissabor / O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo / E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo”. Precisa dizer mais alguma coisa?


6) “Tive Sim” – Gravado em 1966, esse samba é um dos mais bonitos de todos os tempos. Apesar de ter sido gravado no primeiro álbum de Cartola, lançado em 1974, não é uma de suas composições mais conhecidas. Mas a sua letra é uma das mais espirituosas da nossa MPB: “Tive sim / Outro grande amor antes do teu / Tive sim / O que ela sonhava eram os meus sonhos e assim / Íamos vivendo em paz / Nosso lar, em nosso lar sempre houve alegria / Eu vivia tão contente / Como contente ao teu lado estou / Tive sim / Mas comparar com o teu amor seria o fim / Eu vou calar / Pois não pretendo amor te magoar”.


Lado B:

1) “O Mundo É Um Moinho” – Para começar esse lado B, nada melhor do que um dos maiores sucessos de Cartola, regravado por dezenas de artistas, incluindo um (quase) xará seu, Agenor Miranda de Araújo Neto, ou, simplesmente, Cazuza. A canção, que faz parte de seu segundo álbum, lançado em 1976, é um clássico: “Preste atenção querida / De cada amor tu herdarás só o cinismo / Quando notares estás a beira do abismo / Abismo que cavaste com teus pés”. Uma curiosidade: a gravação original presente no disco conta com o violão do genial Guinga, à época, um garoto com apenas 20 anos de idade.


2) “Peito Vazio” – Outra canção do segundo álbum de Cartola, aquele que tem a célebre foto do sambista, na sacada de sua casa, ao lado de Dona Zica. Poucos cantores conseguem superar Cartola na gravação de seus sambas, mas, nesse caso, vale a pena correr atrás da versão de Nelson Gonçalves. Aliás, se dissessem que a letra foi composta exclusivamente para o cantor de “A Volta do Boêmio”, não seria nada estranho... Repare só: “Um vazio se faz em meu peito / E de fato eu sinto / Em meu peito um vazio / Me faltando as tuas carícias / As noites são longas / E eu sinto mais frio”.


3) “As Rosas Não Falam” – Também do segundo disco de Cartola. “Queixo-me às rosas / Mas que bobagem / As rosas não falam / Simplesmente as rosas exalam / O perfume que roubam de ti, ai”. Melhor parar por aqui...


4) “Cordas de Aço” – Última faixa do segundo LP de Cartola, lançado pela extinta gravadora Marcus Pereira. Só um compositor do nível de Cartola seria capaz de compor uma canção tão singela para o mais importante companheiro de sua vida: o violão. “Ah, essas cordas de aço / Este minúsculo braço / Do violão que os dedos meus acariciam / Ah, este bojo perfeito / Que trago junto ao meu peito / Só você violão / Compreende porque perdi toda alegria”. Dá até vontade de pegar o violão e fazer um carinho nele...


5) “Autonomia” – Essa faixa está presente em “Verde Que Te Quero Rosa”, lançado pela RCA Victor, em 1977. “Autonomia” é um bonito samba-canção que conta com o piano de ninguém menos que Radamés Gnatalli. Vale a pena também dar uma ouvida na importante gravação do cantor Ney Matogrosso e do violonista Raphael Rabello, no não menos importante álbum “À Flor da Pele”, lançado em 1990.


6) “Tempos Idos” – Composto em 1966, a seis mãos com Carlos Cachaça e Cyro Monteiro, esse samba também faz parte de “Verde Que Te Quero Rosa”. A canção é uma homenagem ao samba, que cresceu e derrubou fronteiras. Mas, percebe-se um certo ressentimento de Cartola na emblemática letra: “Depois, aos poucos, o nosso samba / Sem sentirmos se aprimorou / Pelos salões da sociedade / Sem cerimônia ele entrou / Já não pertence mais à Praça / Já não é mais o samba de terreiro / Vitorioso ele partiu para o estrangeiro”. O samba pode ter partido para o estrangeiro, mas Cartola é nosso!

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